Influência da idade relativa no processo de captação de atletas no futebol
RESUMO
A preferência popular em se tratando de esportes no Brasil é o futebol, e sua importância se dá pela grande quantidade de jovens talentos praticantes da modalidade que sonham um dia ser um grande jogador. Porém pouco se sabe de onde vem esse talento, se é constituído de prática ou de uma genética favorecida. Estudos na área de captação de talentos vem encontrando e mostrando uma predominância de jovens jogadores nascidos no começo do ano participando de competições de futebol. Durante o processo de formação esportiva no futebol, o agrupamento para a composição das categorias competitivas é realizado de acordo com o ano de nascimento. Sendo assim, os jovens atletas nascidos nos primeiros meses do calendário apresentam uma maior idade cronológica, fato que pode proporcionar uma vantagem no desempenho durante os jogos e treinamentos, o que é comumente denominado na literatura esportiva como um efeito da idade relativa (EIR), atribuindo uma maior probabilidade desses garotos nascidos no primeiro semestre tornarem-se jogadores profissionais de futebol. No presente estudo, o objetivo foi avaliar o efeito da idade relativa (EIR) no processo de captação de talentos, em jovens praticantes de futebol divididos entre quatro categorias, sendo as três das categorias de base, sub-15, sub-17 e sub-20, além do grupo profissional. O estudo contou com coletas das datas de nascimentos de 137 jovens atletas das categorias de base da Sociedade Esportiva Palmeiras e 37 jogadores profissionais também desta equipe e foram encontradas diferenças de ate 43,75% entre jogadores nascidos no primeiro e segundo semestre.
Introdução
O futebol é a modalidade esportiva de maior impacto na sociedade, sendo resultado de sua popularidade e da sua universalidade.
A trajetória de um jogador de futebol até o time profissional começa com a maioria dos atletas passando pelas categorias de base. No Brasil, o sonho de quase todo garoto é ser jogador de futebol e, por isso, desde cedo eles já frequentam as escolinhas. Os que se destacam, são encaminhados para serem avaliados nas categorias de base dos clubes. Sendo avaliados e possivelmente aprovados, eles passam a fazer parte destas equipes, sendo submetidos a sessões de treino mais profissionais e específicas, quase sempre voltadas para o desempenho das capacidades físicas, técnicas, táticas e psicológicas.
O processo de formação esportiva pode ter uma influência decisiva na geração de futuros talentos no esporte. O conhecimento dos fatores que interferem no desempenho e consequentemente no processo de captação de atletas no futebol, especialmente a partir da puberdade, é de extrema importância, pois são aspectos relevantes no processo de formação e desenvolvimento de atletas de futebol.
Para Rogel et al (2007) não é difícil reconhecer quando um indivíduo é talentoso no futebol, pois quando assistimos aos gols, dribles e jogadas de grandes craques do passado e mesmo da atualidade, percebemos que os jogadores são muito habilidosos e talentosos. A difícil tarefa é descobrir de onde vem o talento, isto é, já nascemos talentosos ou adquirimos as habilidades através de vivências em um ambiente privilegiado e favorável à prática futebolística?
Helsen e Colaboradores (2005) indicam em seu estudo que no esporte competitivo encontram-se muitas vezes indivíduos que nasceram no início do ano competitivo predominando numericamente sobre aqueles nascidos no final do ano competitivo. Este fato torna-se mais evidente nas categorias de base, pois conforme o avanço nas categorias, essa frequência tende a se modificar, ou seja, quanto maior a categoria, menor a diferença entre as datas de nascimento.
Essa diferença entre as datas de nascimento, que pode chegar a quase um ano, dentro da mesma faixa de competição, pode ser chamada de Idade Relativa.
A idade relativa pode ser considerada como a diferença de idade entre pessoas no mesmo grupo etário envolvido na mesma categoria na prática de um determinado esporte, e sua consequência é chamada de Efeito da Idade Relativa – EIR (Musch, Grondin, 2001).
A primeira hipótese levantada sobre o fenômeno da Idade Relativa (IR) foi nos anos 80, quando o psicólogo Roger Bamsley assistia a um jogo de hóquei em seu país ao lado de sua esposa, que ao ver a escalação detalhada das equipes observou que a maioria das datas de nascimento dos jogadores participantes da partida correspondiam aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março. A descoberta da esposa gerou curiosidade no psicólogo, que na mesma noite pesquisou e constatou que muitos outros jogadores profissionais de hóquei tinham suas datas de nascimento nos três primeiros meses do ano, detectando o mesmo padrão. (Gladwell apud Ribeiro, 2009).
Para Musch e Grondin (2001) a definição do ano de seleção baseada na idade cronológica, apesar de ter a intenção de promover instrução, organização e treinamento adequado ao desenvolvimento e formação global do atleta, criando igualdade de oportunidades no esporte, faz com que os atletas nascidos no início do ano tenham cerca de um ano de vantagem em relação aos atletas que nascem no final do ano.
Esta vantagem de idade relativa faz com que os atletas mais velhos apresentem, em relação aos seus pares mais novos dentro da mesma categoria, vantagens ao nível do desenvolvimento e maturação (são maiores, mais fortes e evidenciam melhor coordenação).
A idade relativa no futebol
Vários estudos realizados na área do futebol mostram que o efeito da idade relativa é também uma realidade observável em diversos países. No futebol europeu, temos o estudo produzido por Helsen e Colaboradores (2005) que analisou as seleções Sub -15, Sub-16, Sub-17 e Sub-18 de dez países diferentes no continente europeu constatando que há uma maior captação de atletas nessas seleções nascidos no início do ano competitivo.
Glamser e Vincent (2004) estudaram os dados de jogadores profissionais de futebol nascidos no ano de 1984 no Programa de Desenvolvimento Olímpico dos Estados Unidos da América. 147 atletas foram analisados e quase 70% nasceram na primeira metade do ano.
Estudos similares realizados por Carli e Colaboradores (2009), que investigaram as seleções sulamericanas e europeias envolvidas nos mundiais Sub-17 e Sub-20 no ano de 2007, onde as datas de nascimento dos jogadores distribuídas por trimestre demonstram uma maior representação de jovens atletas nascidos nos primeiro trimestre do ano, com 46,4% das datas de nascimento neste período.
A boa performance no futebol depende de vários fatores e aspectos coletivos, como entrosamento, leitura de jogo e inteligência e aplicação tática da equipe, e individuais, como qualidade técnica, qualidade das capacidades motoras físicas e coordenativas e aplicação tática individual. O problema é que essas características são atingidas em diferentes idades cronológicas fazendo com que crianças ou adolescentes com mesma data de nascimento possam apresentar diferentes estágios maturacionais. Desta forma, indivíduos com atraso maturacional podem sofrer desvantagem no processo de captação e formação de atletas, já que no aspecto físico, que é muito importante para alguns clubes e profissionais envolvidos com a captação e formação de atletas, apresentam desvantagem em relação aos que se encontra em estágios mais avançados de maturação (Cavinato, 2011).
Segundo Almeida e Palma (2011), a idade biológica é um fator muito importante para se determinar a sobrecarga e o desempenho no futebol, especialmente na infância e na adolescência, onde vários jovens talentos se encontram em níveis de desenvolvimento e desempenho diferentes por não estarem com a mesma idade biológica.
O presente estudo procura verificar se o Efeito da Idade Relativa se faz presente nas categorias de base da Sociedade Esportiva Palmeiras, e por consequência em seu processo de captação de atletas e também se o mesmo efeito se repete na categoria profissional, com base nos estudos e dados publicados e coletados.
Material e método
Para analisar o efeito da idade relativa (EIR) nas equipes de base da Sociedade Esportiva Palmeiras, e realizar a avaliação e estabelecer o comparativo de existência das diferenças entre trimestres e semestres com base nas datas de nascimento dos atletas, a coleta das datas foi realizada em duas etapas: na primeira etapa foram coletadas as datas de nascimentos de jogadores das equipes sub-15, sub-17 e sub-20, no ano de 2011, e na segunda etapa as datas de nascimento dos atletas profissionais que disputaram o Campeonato Brasileiro da Série A, no mesmo ano. Os dados, de domínio público, foram coletados do site oficial da Federação Paulista de Futebol (www.futebolpaulista.com.br).
A amostra dos atletas das categorias de base é composta por um total de 137 atletas, divididos em 03 categorias: categoria sub-15 (nascidos nos anos de 1996 e 1997) com 46 atletas; categoria sub-17 (nascidos nos anos de 1994 e 1995) com 32 atletas e categoria sub-20 (nascidos nos anos de 1991, 1992 e 1993) com 59 atletas. A amostra de atletas da categoria principal é composta por um total de 37 atletas.
Na segunda etapa da pesquisa, com base nos dados coletados, e com o objetivo de constituir grupos de análise, as datas de nascimento dos jogadores foram divididas em trimestres: 1º Trimestre (estabelecido entre os meses de Janeiro, Fevereiro e Março); 2º Trimestre (estabelecido entre os meses de Abril, Maio e Junho); 3º Trimestre (estabelecido entre os meses Julho, Agosto e Setembro) e 4º Trimestre (estabelecido entre os meses de Outubro, Novembro e Dezembro). Uma vez divididos os dados, foram comparadas as diferenças entre trimestres dentro das categorias (sub-15, sub-17, sub-20 e profissional), e as diferenças entre semestres das categorias de base e profissional.
Resultados
Após coletar os dados dos atletas da Sociedade Esportiva Palmeiras na base de dados de domínio público do site oficial da Federação Paulista de Futebol (FPF) foi elaborada tabelas com os resultados divididos por trimestre, e tabelas efetuando o comparativo entre os quartis.
Na categoria Sub-15(nascidos em 1996 e 1997) temos os seguintes dados:
Os dados acima expõem uma predominância de atletas nascidos no primeiro e segundo trimestres. Somando os valores percentuais dos mesmos chegamos a 71,74% dos atletas da categoria, verificando-se os mesmos valores encontrados na literatura.
Efetuando uma comparação entre os trimestres, temos os seguintes resultados:
Os resultados encontrados mostram como em outros estudos, que há uma preferência para atletas nascidos nos dois primeiros trimestres do ano. Os valores apresentados no campo porcentagem de diferença correspondem à superioridade de atletas encontrada comparando os trimestres.
Para categoria Sub-17 (nascidos em 1994 e 1995), verifica-se os seguintes resultados:
Mais uma vez o resultado encontrado nos mostra que há a predominância para atletas nascidos no primeiro e segundo trimestre do ano, que somados correspondem a 81,25% dos atletas da categoria. Uma pequena alteração encontra-se na maior quantidade de atletas nascidos no segundo trimestre em relação ao primeiro.
Ao comparar os trimestres entre si, temos os seguintes resultados:
Nesta categoria, verifica-se um fato curioso com um valor negativo na comparação entre o primeiro e segundo trimestre, representada por – 06,25% dos atletas. Este valor representa um acréscimo no número de atletas nascidos no segundo trimestre em relação ao primeiro, contrariando os dados até então identificados e revisados na literatura.
Já na categoria Sub-20 (nascidos em 1991, 1992 e 1993), obtemos os seguintes dados expressos na tabela a seguir:
O resultado aponta que há mais equilíbrio entre a escolha de atletas de acordo com as datas de nascimento no segundo e terceiro trimestres, mas ainda existe a predominância de atletas nascidos no primeiro e segundo trimestres, que somados correspondem a 67,80% dos atletas da categoria.
Ao comparar os trimestres entre si, elaboramos o seguinte quadro com os resultados:
Comparando os trimestres na categoria sub-20, vale destacar a pequena diferença percentual entre o segundo e terceiro trimestre, sendo a maior diferença do primeiro para o quarto trimestre, com um percentual de 33,90%.
Pela categoria principal (equipe profissional), chegamos aos seguintes dados:
Nesta categoria, os resultados vem na contra mão dos resultados das categorias de base, tendo o menor número de atletas nascidos no primeiro trimestre. Já o maior número de atletas encontra-se com datas de nascimento no terceiro trimestre. O fato curioso é que no quarto trimestre encontramos o dobro de atletas em relação ao primeiro trimestre, e no terceiro o dobro de atletas do segundo trimestre.
Comparando os trimestres de nascimento, temos os seguintes resultados:
Os valores negativos expressos na tabela quando se trata do primeiro trimestre de nascimento apontam que o mesmo possui menor número de atletas em relação aos demais trimestres. Outro valor negativo encontra-se na comparação do segundo com o terceiro trimestre, já que o mesmo enquadra o maior número de atletas nesta categoria.
Análise dos resultados
Analisando os dados coletados e encontrados na pesquisa, verificou-se uma tendência na captação por um número maior de atletas nascidos no início do ano nas categorias sub-15, sub-17 e sub-20 visto que 71,74%, 81,25% e 67,80% dos atletas nasceram no primeiro semestre, respectivamente. Na categoria sub-20 observou-se uma redução nessas diferenças, com um maior número de atletas nascidos no segundo semestre (terceiro e quarto trimestre) com valores um pouco próximos da categoria profissional. Valores estes que tendem a uma harmonização de acordo com o “envelhecimento” das categorias. Prova disso são as datas de nascimentos dos atletas da equipe profissional da Sociedade Esportiva Palmeiras, em que o número de indivíduos nascidos no segundo semestre é o dobro dos atletas nascidos no primeiro semestre.
Podemos concluir que nas Categorias sub-15 e sub-17, existe uma tendência a se selecionar atletas nascidos no inicio do ano, devido a uma possível maior estatura e massa corporal desses indivíduos, que se encontram em um grau maturacional mais avançado. De acordo com Baxter-Jones (1995) o estado maturacional avançado influencia positivamente em diversas componentes físicas tais como o desenvolvimento da potência aeróbia, da força muscular e da resistência muscular, existindo também uma influência na proficiência motora e na tomada de decisão.
Malina e Colaboradores (2000) e Malina e Colaboradores (2004), em dois estudos realizados com atletas portugueses, verificam que a seleção de atletas para categoria de base é influenciada pelo seu grau de maturação, já que em ambos os estudos os jogadores estudados apresentaram estado maturacional adiantado a partir dos 13 anos de idade.
Conclusão
De acordo com os dados obtidos nas pesquisas realizadas, pode-se concluir que o Efeito da Idade Relativa se faz presente no processo de captação e nas categorias de base da Sociedade Esportiva Palmeiras. Na categoria Sub-15 e Sub-17, a preferência por atletas nascidos no primeiro semestre é representada por 76,50% do total de atletas das duas categorias. Já na categoria Sub-20 os valores atingem 67,80% de atletas nascidos no primeiro semestre. No profissional encontramos um número reduzido de 33,33% de atletas nascidos no mesmo período. Os dados mostram o efeito da idade relativa nas categorias de base e uma grande diferença numérica e percentual referente à equipe profissional.
Nas categorias iniciais o desenvolvimento maturacional é quem dita à escolha dos atletas, por serem mais altos e mais fortes. Os atletas que não atingiram ainda esse grau de desenvolvimento compensam com a alta qualidade técnica, motivo pelo qual conseguem se mantiver nas equipes.
Já nas categorias que se aproximam do nível profissional, quando os atletas já estão maturados do ponto de vista físico, o desempenho físico também é levado em conta, mas associado ao alto grau de desenvolvimento técnico. O aumento do número de atletas profissionais nascidos no segundo semestre é proveniente da “sobrevivência” dos atletas que mantiveram a qualidade técnica elevada, elemento que foi extremamente importante e desenvolvido durante as fases em que a diferença maturacional se fez presente.
Conclui-se que o processo de captação que privilegia os aspectos maturacionais e físicos pode estar descartando muitos talentos nascidos nos meses finais do ano que são ofuscados pelos atletas mais velhos da mesma categoria (nascidos nos primeiros meses do ano), que se “aproveita” de seu maior desenvolvimento para as variáveis físicas, técnicas, táticas e psicológicas do jogo, visto que no profissional a maioria dos atletas é nascida no segundo semestre do ano. Portanto, ao pensar dessa forma, os atletas que compõem a equipe profissional são a pequena porcentagem de atletas das categorias de base que se mantinham nas equipes pela sua qualidade técnica, e não pela sua vantagem maturacional e física por ter nascido nos meses iniciais do ano. Devemos então, pensar mais no futebol arte, e não somente em vertentes físicas, e, sendo assim, deve-se repensar e remodelar o processo de captação de atletas no futebol.
Fonte: EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. Em: http://www.efdeportes.com/efd173/idade-relativa-de-atletas-no-futebol.htm. Acesso em: 30 junho 2015.